domingo, 18 de março de 2012

Fim da Crise

Qualquer um que se interesse por estudar sobre a educação jurídica no Brasil vai se deparar, logo de início, com o entendimento de que ela se encontra em crise. A crise da educação jurídica. Pelo que lembro, pensando nas pesquisas que já fiz em torno do tema, todos os livros, artigos científicos e palestras consideram a situação atual como crise. Ora, mas o que é estar em crise?

A palavra “crise” não apresenta grande complexidade em seus significados. Da linguagem diária comum à linguagem científica ou especializada, não há diferenças substanciais. Seja crise econômica, crise alérgica, crise no relacionamento, ou crise social, em todos esses contextos a palavra crise, pensando abstratamente, aparece para designar um momento especial em que as condições (econômicas, de saúde, etc.) apresentam uma sensível piora. É momento de queda, decadência, enfraquecimento. Ou seja, é um momento, dado por quaisquer motivos, em que as condições de “normalidade” ou mesmo as boas condições cessam, passando a um período de “anormalidade” ou de más condições.

Aí eu me pergunto: em que período de nossa história houve boas condições na educação jurídica em termos de qualidade? Sejam quais forem os parâmetros utilizados para identificar e julgar tais condições, quando se afirma a atual crise, se faz a relação com qual período histórico? Qual período é possível exemplificar como de “normalidade” ou boas condições da educação jurídica?

Se notarem bem, os contornos temporais dessa tal “crise” sempre são completamente indefinidos. Nunca vi nenhuma pesquisa da área delimitar quando começou a crise, definir um ponto de inflexão da “normalidade" (talvez seja por que sou iniciante em tais pesquisas, quem sabe). Pois bem, eu vou dizer quando começou a crise na educação jurídica. Desde o momento em que os primeiros cursos foram criados no Brasil. Desde o primeiro debate legislativo. Inclusive, segundo Alberto Venâncio (1970), o primeiro curso jurídico do Brasil, criado de forma provisória pelo decreto de 09 de janeiro de 1825 nem mesmo chegou a funcionar. Se investigarem em autores que tratam da história dos cursos jurídicos no país (Alberto Venâncio, Sérgio Adorno e outros) notarão claramente que a qualidade dos cursos nunca foi algo a se orgulhar. Sérgio Adorno, em Aprendizes do Poder (1988), expõe que a formação dos bacharéis ainda na época do Império se dava nos espaços extra-oficiais das faculdades, espaços de reunião política e atividade jornalística. A relação de aprendizagem estudante-professor era extremamente precária Os objetivos traçados nos documentos oficiais que cuidavam dos cursos jurídicos nunca eram alcançados, motivo de inúmeras reformas que sempre acompanharam a história da educação jurídica, até os dias atuais.

Se estiver certo de que os cursos jurídicos sempre tiveram padrões de qualidade de limites estreitos e acanhados, nesse quase 200 anos, apresentando sempre evolução linear (Venâncio, 1970), então simplesmente não posso falar de crise. Não há crise. O que há são intensos debates, reformas, mudanças tentando melhorar o que sempre foi ruim, tentando modificar uma tradição medíocre de educação herdada desde o primeiro momento. 

Em momentos de indignação, enquanto estudante, às vezes pensava: os cursos jurídicos não servem para nada, não nos preparam para nada. Ora, será? Se pensar de forma estrutural, irá notar que eles servem sim e muito bem, servem para uma determinada estrutura e rotina social de poder, para uma determinada forma de produção social do Direito.

Fim da crise. Esse é o sentido do nome do blog. Propor uma mudança na forma de pensar a nossa educação jurídica. Parar de pensar de forma conjuntural, acreditando que nos encontramos em um momento ruim, que com algumas reformas e idéias, poderemos voltar à normalidade. Não. A questão é estrutural. Precisamos dis-pensar a educação jurídica que está aí, ou seja, re-pensar a partir de novos fundamentos, novos paradigmas. Dis-pensar as heranças paradigmáticas que sempre nortearam epistemologicamente e metodologicamente nossa educação jurídica. Pensá-la a partir de suas estruturas culturais e sócio-econômicas. 

Não tenho a mínima idéia de como fazer isso. Mas para isso também serve esse blog. Para lançar algumas sementes nesse terreno difícil de dar frutos.

Referências:
1. Venâncio Filho, A. (1979). Análise Histórica do Ensino Jurídico no Brasil. Encontros da UNB: Ensino jurídico (pp. 11-36). Brasília: Universidade de Brasília.
2. Adorno, S. (1988). Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

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